O CENTÚNCULO ELEITORAL BRASILEIRO

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O centúnculo cabia e cabe bem quando elaborado por mãos artesãs, experientes na lida do aproveitamento de retalhos de pano, refugos de tecidos utilizados na produção de roupas. Mas quando o assunto á legislação...

Você pode estar se perguntando o que é que tem de importância um assunto como este. É que alguns “espertos” insistem em providências normativas eleitorais de caráter meramente perfunctório, e assim lembram em muito essa arte dos tempos da vovozinha. Querem, por que querem, transformar num centúnculo o ordenamento jurídico-eleitoral brasileiro. Ou melhor, infelizmente, já o transformaram!

O que se tem feito no Brasil em matéria eleitoral é um desamor ilimitado ao ordenamento eleitoral. Isto porque, há muito tempo que as normas eleitorais no país propositadamente apanham apenas situações ocasionais, circunstanciais, momentâneas sem nunca se buscar a abrangência do todo. É o odioso império das conveniências, do despudorado casuísmo.


“MUDA-SE”, E CONTINUA TUDO IGUAL

A mídia, utilizada pela elite brasileira que detém os seus mais importantes e possantes veículos, já tratou entusiasticamente a lei que combate a compra de votos, traduzindo-a como a salvação da “boa e salutar disputa eleitoral”. Mais recentemente veio com a tal da lei da “Ficha Limpa”, igualmente tratada como a redenção da lisura no processo eleitoral. E as coisas não mudam!

Tecendo seu centúnculo, a elite  -  que a cada dia tem menos voto  -,  agora quer convencer a todos de que o voto secreto no parlamento deve simplesmente ser extinto, com exclusiva adoção do voto aberto, e volta a usar e a abusar de seus veículos de comunicação para convencer a sociedade, uma vez mais, de que isso será a “verdadeira” forma de dar transparência às decisões parlamentares.

Como sempre, a elite mente, mais uma vez!

É como dizem os mais sabidos: “me engana que eu gosto”!


PANACÉIA

É elementar se entender que nenhuma discussão que envolva o interesse público pode ser levada de roldão, de maneira empírica. A discussão do tema do qual este artigo se ocupa não pode ser assim tão simplória como querem alguns. Cuidar da adoção do voto aberto do parlamentar como regra única, transformando-a numa panacéia, não é nem de longe uma atitude séria, ao contrário, afronta a inteligência alheia e, pior, traz consigo intenções e interesses seguramente inconfessáveis: a manutenção de poder e privilégios de uma decadente (mas, renitente) elite tupiniquim.


AS LIÇÕES DE UM MESTRE

O imorredouro mestre Josaphat Marinho, ex-Senador da República, professor emérito da Universidade de Brasília (que circunstancialmente bandeou-se, como que confirmando a máxima de que não tem bom sem defeito, para o carlismo, merecendo, à época, inclusive, uma acachapante derrota para Waldir Pires na disputa do governo do estado da Bahia), ao analisar, em artigo publicado no Correio Braziliense, a violação do painel do Senado Federal  na votação de cassação do mandato do ex-Senador Luís Estevão (patifaria que se apresentou como uma verdadeira “obra prima” do mais puro carlismo), a propósito do tema afirmou, com o brilhantismo intelectual que lhe era inerente:

“Não foi o instituto do voto secreto, em si mesmo, que propiciou os abusos(...).

Também no parlamento há ricos e pobres, letrados e menos ilustrados, personalidades determinadas e figuras tímidas, ou modestas. Com a igualdade de votar e ser votado há representantes que na vida profissional têm a condição de empregados, e devem acautelar-se quanto ao dia de amanhã, sobretudo nos contrastes do capitalismo.

Cumpre notar, em suma, que a eleição parlamentar não modifica a estrutura e o procedimento das pessoas, tornando-as todas líderes destemidas. Há indivíduos que conservam no Congresso o hábito de não se expor, diante de forças dominantes, políticas ou econômicas.
Nem todos assumem os riscos de lutador, ou de herói. Daí a propriedade do voto secreto para certas deliberações parlamentares. Melhor se defende o interesse público mantendo-o”.

E continua o jurisconsulto, Professor Josaphat Marinho:

“Parece esquecida a longa experiência de que o voto secreto é a medida que protege as minorias e seus eventuais aliados contra os transbordamentos do poder político, em decisões fundamentais(...). São honestos, mas não querem ser bravos. A política esclarecida não pode desprezar a realidade, se quer ser útil ao corpo social. Do contrário, sustenta abstrações, julgando ser moralizadora, e faz o jogo do adversário”.



CONSEQUÊNCIAS DA EXTINÇÃO DO VOTO SECRETO

Somem-se a isso algumas conseqüências de vasto espectro que da adoção exclusiva do voto aberto podem advir, dentre elas:

a)      absoluto controle das lideranças partidárias sobre a atuação parlamentar;

b)     maior controle da mídia sobre a atuação dos parlamentares em situações que abordem interesses de grandes grupos econômicos, de variados matizes (inclusive dos que lhes dão sustento, pois, os grandes veículos de comunicação, não nos esqueçamos, são mantidos, sustentados por fortes grupos econômicos. Também é bom não confundir o profissional da comunicação com o dono do veículo de comunicação!), podendo inibir o parlamentar de exercer o voto com a necessária isenção e senso de justiça baseado na própria consciência;

c)       maior controle do Poder Executivo sobre o parlamento. No regime presidencialista, o Poder Executivo exerce, na prática, um papel de preponderância em relação ao Poder Legislativo.


MANDATO IMPERATIVO E MANDATO REPRESENTATIVO

A mais disso, é de se compreender as teorias que explicam a natureza do mandato popular.

As duas mais expressivas: a teoria do mandato imperativo e a teoria do mandato imperativo.

Óbvio que um simples artigo não pode esgotar um assunto de tamanha magnitude (até porque ele não é consensual entre os doutrinadores), mas para compreensão do tema pode-se esclarecer, em linhas gerais que:

1-      A teoria do mandato imperativo prega que os mandatos devem se vincular à vontade expressa do eleitor e que, portanto, podem até ser vogados (recall) por este a qualquer momento;

2-      A teoria do mandato representativo o qualifica como irrevogável, não adstrito a condições, instruções ou prestações de contas. Segundo esta teoria o parlamentar é independente, deve votar de acordo com sua consciência sobre as questões postas em debate no parlamento, sendo natural que possa votar contra a vontade dos seus eleitores, posto que representaria ele toda a nação e não somente aqueles, especificamente.


Discussão complexa, não é certo?


AS BANCADAS NO PARLAMENTO  –  MAIS UM FORTE FUNDAMENTO E MAIS UMA RAZÃO PARA UMA REFORMA POLÍTICA

Sabemos que do parlamento nacional falam-se muito das suas “bancadas”. Tem a bancada ruralista, a bancada do futebol, a bancada dos planos privados de saúde, a bancada dos usineiros, bancada disso, bancada daquilo, tudo em desafio à ordem constitucional brasileira, que tem na teoria do mandato representativo um de seus mais importantes alicerces, segundo a qual o Deputado deve representar e defender os interesses da nação. É assim que a Constituição cidadã quer e exige.

Cabem, assim as seguintes indagações:

a)      a Lei da Ficha Limpa resolve isso?
b)      A Lei contra a compra de votos resolve isso?
c)      O voto do parlamentar resolve isso?

Então, o que continuará acontecendo no  mundo político brasileiro se se trabalhar somente com a adoção dessas leis e de outras que lhe sejam congêneres? Se muito, teremos pessoas de “ficha limpa”, que não compraram votos para serem eleitas, mas comprometidas com os “bancadores” das “bancadas” que integram e para as quais foram eleitas.

E as questões nacionais. Bem... isso será somente “um detalhe”, cruel “detalhe”: não serão debatidas, e continuarão não sendo resolvidas! Ou, pior, “resolvidas” sem o norte da noção de nação! 

Essa situação fática, extremamente desagradável, incômoda aos interesses da nação, só pode e deve ser enfrentada com uma radical reforma política.


CONSULTA POPULAR

Como já dito, a Constituição Cidadã pátria reconhece a teoria do mandato representativo.

Daí, frise-se, que não é tecendo centúnculo que vamos enfrentar eficazmente as várias dificuldades trazidas pelo obsoleto ordenamento eleitoral pátrio. Disso todo o mundo sabe. O certo, e disso também todo o mundo sabe, é se trabalhar uma reforma política, e assim cuidar da elaboração de um sistema político-eleitoral hodierno, condizente com as necessidades da sociedade brasileira, arredando-se, de vez, o que aí ainda se encontra em vigor, por lhe ser é extremamente pernicioso.

Michel Temer, desatento à importância do cargo político que ocupa, está falando numa possível consulta popular sobre a realização, ou não, da reforma política. Com isto ele dá a entender que o Parlamento que aí está não tem condições de decidir sobre o tema (como mostra não ter mesmo). Ora, então, o mais coerente não seria ele, o vice-Presidente, como alternativa, propugnar pela criação de condições políticas propícias à convocação de uma assembléia nacional constituinte específica para tal desiderato, quando durante o período de votação dos seus membros o tema seria melhor discutido com a sociedade?

Uma consulta popular  -  sabe-o bem o vice-presidente, como bom professor que o é da Ciência do Direito, inclusive com livros editados sobre o Direito Constitucional  -,  certamente que não é meio mais adequado para tratar de assunto de tal jaez, em razão de sua extrema complexidade. Uma consulta popular decerto que jamais poderá alcançar os inúmeros meandros, nuances e detalhes que devem ser trabalhados numa reforma política consequente.

Ah! Quanto ao título deste artigo... bem, é melhor ficar com a convicção de que, uma bela e boa colcha de retalhos, é boa... para dormir!

OSIÁS ERNESTO LOPES



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